O falso coletivo e os reajustes abusivos nos planos de saúde empresariais
Nos últimos anos, os planos de saúde coletivos, especialmente aqueles destinados a pequenas empresas e microempreendedores, têm sido alvo de debates jurídicos devido aos reajustes abusivos e à vulnerabilidade dos beneficiários. O conceito de "falso coletivo" tem ganhado destaque no cenário jurídico e regulatório, principalmente devido ao impacto financeiro que esses contratos impõem aos consumidores.
Os planos coletivos empresariais e por adesão diferem dos planos individuais e familiares em diversos aspectos, sendo um dos principais a regulação dos reajustes. Enquanto os planos individuais têm seus aumentos limitados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), os planos coletivos seguem regras de mercado, permitindo que as operadoras de saúde apliquem reajustes conforme a sinistralidade do grupo segurado. Isso, na prática, tem levado a aumentos excessivos e imprevisíveis.
O que é um "falso coletivo"?
O termo "falso coletivo" se refere a planos coletivos empresariais contratados por empresas com um número muito pequeno de beneficiários. Muitas vezes, esses contratos são oferecidos a microempreendedores individuais (MEI) ou empresas com apenas um ou dois funcionários, criando uma situação de fragilidade contratual para o consumidor.
Na prática, esses planos se comportam como planos individuais – já que não há um grande grupo para diluir os custos –, mas são vendidos como coletivos, permitindo que as operadoras escapem das regras mais rígidas aplicadas aos contratos individuais. Isso leva a reajustes excessivos, cancelamentos unilaterais e dificuldade na manutenção do contrato pelos beneficiários.
A vulnerabilidade dos consumidores em planos "falsamente" coletivos
Os beneficiários desses planos estão em uma posição de desvantagem porque:
1. Não possuem poder de barganha – Diferente das grandes empresas, pequenos empresários não conseguem negociar reajustes ou melhores condições.
2. Estão sujeitos a rescisões unilaterais – Ao contrário dos planos individuais, que não podem ser cancelados sem justa causa, os planos coletivos permitem que as operadoras encerrem o contrato sem grande justificativa.
3. Pagam reajustes muito superiores aos índices da ANS – Como não há limite regulatório para reajustes de planos coletivos, os aumentos podem superar em muito a inflação e os índices estabelecidos para planos individuais.
A jurisprudência e a proteção aos consumidores
Diante dessa realidade, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem reconhecido a vulnerabilidade de consumidores inseridos em planos empresariais com poucos beneficiários e, em algumas decisões, equiparado esses contratos a planos individuais.
Por exemplo, no Recurso Especial nº 1.708.317/RS, a Ministra Nancy Andrighi destacou que os planos empresariais com menos de 30 beneficiários podem ser tratados de forma diferente dos coletivos tradicionais, pois os segurados não possuem o mesmo poder de negociação que uma grande empresa. Esse entendimento visa garantir maior proteção contra reajustes abusivos e cancelamentos injustificados.
Da mesma forma, no Recurso Especial nº 1.880.442/SP, relatado pelo Ministro Marco Buzzi, a Quarta Turma do STJ reforçou que a rescisão unilateral de planos coletivos pequenos deve ser justificada e respeitar os princípios da boa-fé e função social do contrato.
Impacto financeiro para os beneficiários
Os impactos financeiros para quem possui um plano "falso coletivo" são significativos. Conforme demonstrado em análises recentes, um plano de saúde que custava R$ 2.000,00 há três anos pode hoje custar R$ 4.000,00 devido a reajustes abusivos. Se tivesse seguido os índices oficiais da ANS, o valor deveria estar em torno de R$ 2.707,00, o que representa uma diferença de R$ 1.292,00 por mês.
Além disso, a projeção para os próximos cinco anos indica que, caso os reajustes abusivos continuem, o custo do plano pode ultrapassar R$ 12.699,00, enquanto um plano ajustado pelos índices da ANS chegaria a cerca de R$ 4.496,00. Isso representa uma economia potencial de mais de R$ 8.200,00 por mês para o beneficiário. Somando-se eventuais correções dos valores cobrados indevidamente nos últimos 3 anos, pode-se chegar a uma economia próxima a R$ 200.000,00 no período de 8 anos nesse caso hipotético.
Como se proteger?
Diante desse cenário, há algumas medidas que os beneficiários podem tomar para evitar prejuízos:
1. Verificar a natureza do contrato – Se você possui um plano coletivo com poucos beneficiários, verifique se a operadora está aplicando reajustes abusivos ou rescisões injustificadas.
2. Questionar reajustes elevados – Caso o reajuste seja muito superior ao índice da ANS, é possível contestá-lo por meio de reclamações na ANS ou até mesmo na Justiça.
3. Procurar um advogado especializado – Profissionais do direito podem analisar se há base para equiparar seu contrato a um plano individual e buscar a devolução de valores pagos a mais.
4. Acompanhar decisões judiciais – A jurisprudência tem evoluído para garantir maior proteção a beneficiários de planos "falsamente" coletivos. Ficar atento às decisões do STJ pode ajudar a fundamentar questionamentos.
Conclusão
Os planos de saúde coletivos pequenos, muitas vezes enquadrados no conceito de "falso coletivo", representam um grande desafio para consumidores e pequenas empresas. A ausência de limites regulatórios para reajustes e a possibilidade de rescisão unilateral criam um ambiente de vulnerabilidade que pode levar ao endividamento ou até à perda do acesso à saúde.
Felizmente, a jurisprudência tem avançado para proteger esses consumidores, garantindo que planos com poucos beneficiários não sejam tratados da mesma forma que os coletivos empresariais tradicionais. O reconhecimento da vulnerabilidade dos segurados e a aplicação de princípios como a boa-fé e a função social dos contratos** são essenciais para equilibrar a relação entre operadoras e consumidores.
Diante disso, é fundamental que beneficiários estejam atentos, questionem reajustes abusivos e busquem seus direitos sempre que necessário. O conhecimento sobre o tema é a melhor ferramenta para garantir um acesso justo e sustentável à saúde suplementar no Brasil.